A NEGATIVA DE TRATAMENTO PELO PLANO DE SAÚDE: CONSEQUÊNCIAS LEGAIS E ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

1. Introdução

A negativa de tratamento por parte dos planos de saúde é um dos temas mais recorrentes no âmbito do Direito Médico, gerando significativo litígio judicial. A recusa indevida de cobertura de procedimentos, medicamentos ou internações viola não apenas os contratos firmados entre operadoras e consumidores, mas também direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988, como a saúde (art. 6º) e a vida (art. 5º).

Este artigo analisa os fundamentos jurídicos que embasam a obrigação das operadoras, as consequências legais de sua negativa e como os tribunais vêm decidindo sobre a matéria.

2. Obrigações Contratuais e Legais dos Planos de Saúde

Os planos de saúde estão submetidos à Lei nº 9.656/1998, que regula o setor, e ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), dada a relação consumerista. Segundo a legislação, as operadoras são obrigadas a cobrir todos os tratamentos e procedimentos previstos no contrato e no Rol de Procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

A negativa de cobertura só é legítima em casos expressos, como:

  • Exclusões contratuais claramente informadas;

  • Procedimentos experimentais ou não reconhecidos pela ANS;

  • Falta de comprovação médica da necessidade do tratamento.

Fora dessas hipóteses, a recusa configura violação contratual e consumerista, sujeitando a operadora a sanções cíveis, administrativas e até criminais.

3. Consequências Legais da Negativa Indevida

3.1. Responsabilidade Civil

A operadora pode ser condenada a:

  • Cobrir o tratamento negado (via liminar ou ação principal);

  • Indenizar por danos materiais (custos assumidos pelo paciente) e morais (sofrimento decorrente da demora/negativa);

  • Honorários advocatícios e custas processuais.

3.2. Infrações Administrativas

A ANS pode aplicar multas e sanções às operadoras que descumprirem o Rol de Procedimentos ou as normas de atendimento (Lei 9.656/98, art. 35).

3.3. Responsabilidade Criminal

Em casos extremos, a negativa de tratamento pode configurar crime de omissão de socorro (art. 135 do CP) ou perigo para a vida ou saúde (art. 132 do CP), especialmente se houver risco iminente ao paciente.

4. Posicionamento da Jurisprudência

Os tribunais brasileiros têm sido unânimes em proteger o paciente, com destaque para os seguintes entendimentos:

4.1. Superior Tribunal de Justiça (STJ)

  • Prevalência da vida sobre aspectos econômicos: O STJ entende que a operadora não pode negar tratamentos essenciais sob alegação de custo (REsp 1.657.768/SP).

  • Fornecimento de medicamentos não listados pela ANS: Se comprovada a necessidade médica e a eficácia do tratamento, a cobertura é obrigatória (REsp 1.873.381/SC).

4.2. Tribunais Regionais Federais (TRFs) e Estaduais

  • Liminares para tratamentos urgentes: Juízes têm concedido tutelas de urgência para quimioterapias, cirurgias e medicamentos de alto custo.

  • Inversão do ônus da prova: Em ações contra planos de saúde, aplica-se o CDC (art. 6º, VIII), exigindo que a operadora prove que a negativa foi legítima.

4.3. Supremo Tribunal Federal (STF)

O STF firmou tese no Tema 1.008 de que é legítima a judicialização para obtenção de tratamentos não previstos no Rol da ANS, desde que haja comprovação científica e prescrição médica.

5. Estratégias Jurídicas para o Paciente

  • Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Liminar: Para garantir o tratamento imediato;

  • Acionar o PROCON e a ANS: Para reclamações administrativas;

  • Buscar indenizações por danos morais e materiais.

6. Conclusão

A negativa abusiva de tratamento pelos planos de saúde é combatida pelo Judiciário com base no princípio da dignidade humana e na primazia da saúde. A jurisprudência majoritária impõe às operadoras o dever de cobrir tratamentos essenciais, sob pena de responsabilização civil, administrativa e criminal.

Ao paciente, cabe buscar assessoria jurídica especializada para garantir seu direito à saúde, inclusive via medidas urgentes, assegurando que a demora do processo não agrave seu estado.

Referências:

  • Lei nº 9.656/1998; Código de Defesa do Consumidor; Jurisprudência do STJ e STF.

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