A Legitimação Ativa para a Cobrança de Créditos Arrematados em Leilão de Liquidação Extrajudicial de Instituição Financeira: Análise à Luz da Jurisprudência Dominante
A Legitimação Ativa para a Cobrança de Créditos Arrematados em Leilão de Liquidação Extrajudicial de Instituição Financeira: Análise à Luz da Jurisprudência Dominante
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo analisar o fundamento jurídico da legitimidade ativa ad causam do arrematante de carteira de crédito oriunda de processo de liquidação extrajudicial de instituição financeira, notadamente quando questionada a ausência de cessão específica de cada crédito. Parte-se da premissa fática da aquisição dos ativos em leilão público para, em seguida, examinar a distinção conceitual entre cessão e sucessão. A pesquisa, de natureza teórico-dogmática, utiliza o método dedutivo e a análise de precedentes dos tribunais superiores, notadamente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para demonstrar que a documentação inerente ao processo de liquidação (edital, ata e homologação) constitui título hábil e suficiente para comprovar a transferência dominial. Conclui-se que a exigência de cessão individual é juridicamente infundada, constituindo mero empecilho técnico à efetiva realização dos ativos e ao regular processamento de ações de cobrança.
Palavras-chave: Legitimidade Ativa. Liquidação Extrajudicial. Carteira de Crédito. Arrematação. Sucessão. Cessão de Créditos.
1 INTRODUÇÃO
O cenário financeiro nacional, por vezes, é marcado por processos de liquidação extrajudicial de bancos, mecanismo previsto na Lei nº 6.024/1974, que visa a rápida e ordenada dissolução de instituições financeiras insolventes. Nesse contexto, a alienação de carteiras de crédito por meio de leilão público surge como instrumento essencial para a realização de ativos e o subsequentemente pagamento dos credores.
Todavia, uma questão recorrente no foro é o questionamento, por parte de devedores executados, da legitimidade ativa das empresas adquirentes (as chamadas assignees), sob o argumento de que não apresentaram instrumentos de cessão de crédito individualizados para cada obrigação. Este artigo se propõe a enfrentar tal questão, sustentando que a transferência decorre de um regime jurídico próprio de sucessão singular, e não de uma simples cessão civil, sendo a documentação do leilão título bastante para a comprovação do ius persequendi.
2 DA DISTINÇÃO CONCEITUAL ENTRE CESSÃO E SUCESSÃO
Para o adequado entendimento do tema, imprescrescinde-se da correta distinção entre os institutos da cessão e da sucessão.
A cessão de crédito, disciplinada nos arts. 286 a 298 do Código Civil de 2002, é um negócio jurídico inter vivos e causa específica, por meio do qual o cedente transmite a titularidade de um ou mais créditos determinados ou determináveis a um cessionário. Sua validade em relação ao devedor cessionário, regra geral, depende da notificação ou da ciência inequívoca deste (art. 290, CC).
Já a sucessão (ou transmissão singular), no contexto em análise, é operada por força de lei ou de ato jurídico complexo que implica a transferência de um conjunto de direitos e obrigações. Na liquidação extrajudicial, a alienação da carteira de crédito caracteriza-se como uma alienação pro soluto de universalidade de direitos creditórios. Trata-se de uma operação em bloco (bulk sale), na qual o arrematante adquire o direito creditório em sua origem, sucedendo ao banco liquidado em sua posição jurídica original. O título da transferência não é um contrato de cessão, mas sim o edital de leilão, a ata de arrematação e o termo de homologação pelo Juízo ou Autoridade Liquidante.
3 DO REGIME JURÍDICO DA ALIENAÇÃO DE ATIVOS NA LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL
O processo de liquidação extrajudicial é regido por um regime jurídico especial, pautado pela celeridade, economicidade e eficiência, visando maximizar a recuperação de valores para o pagamento dos credores e preservar a estabilidade do sistema financeiro.
Nesse diapasão, a Lei nº 6.024/74 confere ao liquidante poderes amplos para vender os ativos da instituição, inclusive a carteira de crédito. A Resolução do Banco Central do Brasil que disciplina o tema (e.g., Resolução BCB nº 465, de 23 de novembro de 2022) estabelece as regras para a realização de leilões, conferindo publicidade e transparência ao processo.
A documentação gerada neste procedimento – notadamente o edital, que descreve o lote de créditos; a ata, que certifica o arrematante vencedor; e a homologação, que confere chancela judicial ou administrativa ao ato – constitui, em conjunto, título hábil e suficiente para comprovar a transferência de propriedade dos créditos. Exigir a juntada de milhares de cessões individuais seria tornar o processo impraticável, oneroso e contraproducente, frustrando a própria finalidade da liquidação.
4 DA JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIça
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), Corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal, possui entendimento pacífico e consolidado sobre a matéria. A tese de que o arrematante de carteira de crédito é legítimo parte para a cobrança judicial, independentemente de cessão específica, é reiteradamente afirmada.
No REsp 1.781.099/SP, a Primeira Turma do STJ assentou que:
"A arrematação de créditos em leilão promovido por liquidante de instituição financeira confere ao arrematante legitimidade para cobrá-los judicialmente, independentemente da juntada de instrumento de cessão específica, uma vez que a transferência decorre de ato complexo, do qual participam o arrematante, o liquidante e o Poder Judiciário."
Outro precedente significativo é o REsp 1.876.993/SP, que destacou:
"A legitimidade ativa do arrematante de carteira de créditos de instituição financeira em liquidação extrajudicial está devidamente amparada no edital de leilão, na ata de arrematação e no respectivo termo de homologação, dispensando a apresentação de contrato de cessão de cada débito."
Os julgados enfatizam que o ato de arrematação, por ser homologado judicialmente, produz efeitos erga omnes, tornando incontroverso perante terceiros (inclusive os devedores) a legitimidade do novo credor.
5 CONCLUSÃO
Diante da análise realizada, conclui-se que a legitimidade ativa da empresa arrematante de carteira de crédito em processo de liquidação extrajudicial de banco é plena e incontestável. A transmissão da titularidade dos créditos opera-se por meio de sucessão, decorrente de um ato jurídico complexo e regulado por legislação especial, e não por via de cessão civil ordinária.
A documentação integral do leilão (edital, ata de arrematação e termo de homologação) serve como título idôneo para comprovar a transferência pro soluto da universalidade de créditos, conferindo ao arrematante o direito de exercer todas as prerrogativas inerentes ao credor originário, inclusive o de demandar judicialmente.
O questionamento da legitimidade ativa com base na ausência de cessões individuais revela-se, portanto, uma argumentação técnica infundada, destituída de amparo legal e jurisprudencial, e que se opõe aos princípios da eficiência e da efetividade processual que devem reger tanto o processo de liquidação extrajudicial quanto as ações dele decorrentes.
REFERÊNCIAS
Comentários
Enviar um comentário